terça-feira, 1 de outubro de 2024

AOS 110 ANOS DO INCANSÁVEL PEREGRINO

AOS 110 ANOS DO INCANSÁVEL PEREGRINO

MAHOMA HOSSEN SCHABIB (1º/10/1914 – 04/07/1996)

Texto republicado a propósito dos 110 anos de nascimento do incansável Peregrino que a Vida nos presenteou. 

Se estivesse vivo, o Peregrino que a Vida generosamente nos presenteou como Pai estaria completando 100 anos nesta quarta-feira, dia 1º de outubro de 2014.

Nascido no dia em que eclodira a Primeira Guerra Mundial na bucólica e formosa Rasen-Hache (província de Batroun), no Líbano, o incansável Peregrino chamado Mahoma Hossen Schabib ficara órfão de Mãe, dona Maquie Madi, aos 5 anos de vida. O Pai, Hussein Schabib, não quisera que os sete filhos (quatro meninas e três meninos) tivessem madrasta. Como caçula, coube às irmãs, bem mais velhas, cuidar dele. Por influência do primo mais velho, matemático e poeta Scandar Shalak, alfabetizara-se precocemente, e logo fora para o internato na distante Damasco (capital da Síria), onde concluíra com destaque os níveis fundamental e médio.

Ele contava, emocionado, que tivera o privilégio de ver a comoção popular quando da chegada do corpo do imortal poeta libanês Gibran Khalil Gibran (autor de “O Profeta”, entre outras obras) a Damasco para as homenagens póstumas na Síria e Líbano, quando professores participaram como oradores das celebrações ecumênicas. Igualmente, narrava com indisfarçável indignação sobre a repressão, pelos gendarmes franceses, ao movimento juvenil sírio contrário à opressão colonialista em meados da década de 1920, em que milhares de intelectuais e universitários foram torturados e mortos sem piedade, logo por aqueles que se diziam agentes da civilização e do progresso ao substituir o igualmente obscurantista e opressor império turco-otomano, de triste memória.

Obstinado, não sossegara enquanto não transpusesse as fronteiras políticas da Arábia, dividida à época pelos impérios britânico e francês (Líbano e Síria, colônias francesas; Palestina e Egito, colônias britânicas). Para tanto, passou-se por beduíno e atravessou todo o território da Palestina (ainda livre da ocupação sionista), pela fronteira do sul do Líbano e chegar, por Gaza, ao Cairo, no Egito, para cursar Filosofia na milenar Universidade Al-Azhar -- fechada em 1954, início do governo de Gamal Abdel Nasser, por causa de seus arqui-inimigos da Irmandade Islâmica, contrária ao Estado laico implantado pelo maior estadista árabe dos últimos cinco séculos. Mas ele (meu Pai) não pôde concluir o curso universitário por causa da eclosão da Segunda Guerra Mundial: o Egito era colônia da Grã-Bretanha e o ardil colonialista obrigava os jovens mais instruídos ao alistamento militar -- uma acintosa forma de eliminar a juventude inquieta porque esclarecida, feito bucha de canhão.

Mesmo a contragosto, acabou interrompendo os estudos no final do curso (1939), aceitando o conselho de seu irmão mais velho, Ale Hossen Schabib (que, naturalizado boliviano, virou Alejandro Hossen, pois, como em todo país hispânico, o primeiro sobrenome é o que conta). Esse irmão havia emigrado para a América no fim da Primeira Guerra Mundial e, depois de incursionar pela Amazônia brasileira, decidira estabelecer-se na Bolívia, de onde custeava os estudos do irmão caçula, além de ajudar a família com o que fosse possível naquele período de miséria e tragédias no Hemisfério Norte. A sua esperança -- e consolo -- era que a guerra não levasse muito tempo e que ele não demorasse a retornar ao Cairo para concluir seus estudos e seguir seu projeto de vida no Oriente Médio.

 

OUTRA CULTURA, NOVOS DESAFIOS

Mas não foi bem assim. Para começar, foi uma verdadeira epopeia chegar até a América do Sul, atravessando dois oceanos num barco de cruzeiro da companhia italiana de navegação Costa, o “Ana C”. Aportou em Arica, no Chile, após a travessia do Canal do Panamá com as suas comportas deslumbrantes. Em seguida, voou literalmente sobre a Cordilheira dos Andes até chegar a La Paz, a mais de três mil metros de altura, e seguir em outro voo até a capital do departamento de Beni, Trinidad, na Amazônia boliviana, para finalmente conhecer o irmão mais velho com quem só se relacionara até então por cartas -- afinal, ele partira quando meu Pai era de colo. Adaptar-se à vida de mascate num país de cultura totalmente diferente da sua foi outra proeza. Com a ajuda do irmão que era como Pai, procurou estabelecer-se num povoado menor, Magdalena, para capitalizar-se e logo ganhar autonomia financeira. Mas as adversidades (entre elas, o naufrágio de seu batelão carregado de mercadorias) o fizeram descapitalizar-se e quase lhe custaram a própria vida, em 1940, que ele passara a grafar como “0000” (quatro zeros), pois os prejuízos o fizeram voltar à estaca zero.

Perseverante, em cinco anos -- praticamente o período da sangrenta guerra que acabou com a inocência da humanidade --, entre a disciplina nos estudos (não abandonara o hábito de estudar, nem quando atingiu a terceira idade, lendo sistematicamente no mínimo quatro horas diárias) e no trabalho, aprendeu a arte do comércio e dois novos idiomas (espanhol e inglês), e logo era detentor de um capital monetário respeitável. Por essa razão, o irmão que fazia as vezes de Pai o aconselhara a ir se preparando para casar-se. Coincidência ou não, nessas incursões como mascate havia conhecido um dentista muito popular, de nacionalidade libanesa, o assim chamado doutor José (Yussef) Al Hany, Pai de dez filhos (seis meninas e quatro meninos) com uma única companheira, a jovem senhora Guadalupe Ascimani de Hany, afável, culta e hospitaleira.

O doutor Hany, druso (ou derzi, religião espiritualista oriental); a dona Guadalupe, católica, de Pai maronita (variação libanesa de catolicismo cujo sacerdote pode se casar). Meu Pai, muçulmano. Como os árabes, a exemplo dos brasileiros, vivem e celebram a diversidade, não demorou muito para que a mais velha das filhas, a bela Wadia Hany Ascimani, decorrido algum tempo, viesse a contrair núpcias com o jovem imigrante. Não é demais dizer que naquela época, entre os árabes, não era tão acirrada a intolerância religiosa de hoje, alimentada pelas potências ocidentais dentro da ignóbil lógica do “dividir para reinar”, iniciada com a imposição do Estado sionista no território da Palestina em 1948, como perniciosa reparação dos danos causados pelos europeus nazistas em território europeu, e que nada têm a ver com os árabes, estes também vítimas dos abusos colonialistas até a presente data.

Casaram-se em abril de 1948 (ironicamente três semanas antes da formalização, pelas potências mundiais, do Estado de Israel), uma relação conjugal que durou 48 anos e dois meses (meus Pais já planejavam comemorar suas bodas de ouro, quando uma parada cardíaca interrompeu, em 1996, seus projetos comuns de Vida). Mas essas quase cinco décadas, como em tudo na Vida, não foram um mar de rosas, pois tiveram altos e baixos. Os primeiros cinco anos de vida conjugal, sim, por conta da estabilidade econômica então reinante na Bolívia, foram tranquilos: minha Mãe aprendeu logo as habilidades comerciais, tendo-se tornado referência nos negócios crescentes da família. Deixaram a Amazônia depois do nascimento da segunda filha, indo residir na chamada cidade-jardim boliviana, Cochabamba, localizada num formoso vale da Cordilheira dos Andes e com excelente qualidade de vida, cultura e cosmopolitismo.

 

VOLTA ÀS ATIVIDADES INTELECTUAIS

Nesse importante centro cultural boliviano, até por conta da estabilidade da economia familiar, meu Pai decidiu retomar os estudos na Bolívia, e não demorou muito para que exercesse com maestria o jornalismo, além de conduzir um programa radiofônico sobre a cultura árabe e as relações com a América Latina. (Era um período de efervescência política em todo o mundo: além da consolidação do socialismo como alternativa real para todos os povos vítimas do saque e da exploração de suas riquezas naturais e de sua gente, na Bolívia viviam-se as transformações decorrentes do triunfo da Revolução de 1952 boliviana, e na Arábia espalhavam-se os ideais de Nasser, um dos jovens líderes da Revolução de 1952 egípcia, que acabou com o jugo pró-inglês do rei Faruk no Egito e mudou os rumos do povo árabe disperso em 22 Estados divididos pelo Ocidente e das nações do Terceiro Mundo no século XX, ao fundar, com Broz Tito, Jawaharlal Nehru e Chu En-Lai, o Movimento dos Países Não Alinhados.) Talvez a excessiva visibilidade tivesse exposto muito meu Pai diante de adversários poderosos, até então desconhecidos, que se valeram da crise sociopolítica e econômica na Bolívia para desencadear contra ele uma série de ações judiciais e fragilizá-lo comercial e economicamente. Em meio a uma avalanche inflacionária de mais de nove mil por cento ao ano, no início da década de 1960, meus Pais decidiram vender todo o seu patrimônio, construído com muito esforço ao longo de três décadas, a fim de reunir o máximo possível para adquirir as passagens para dez pessoas (dois adultos e oito crianças) de trem e navio a fim de retornar ao Líbano, onde nasceu a caçula dos filhos e permanecemos por quase quatro anos. Nesse meio tempo, meu Pai cobriu para a Rádio Cairo em espanhol, uma revista árabe-chilena chamada “Mundo Árabe” e uma edição em espanhol da revista brasileira “O Cruzeiro” a luta pela independência das nações árabes do norte da África (Argélia, Líbia e sobretudo o Egito, que passara a se denominar República Árabe Unida, um Estado confederado com a Síria e o Iraque, mas que não durou muito por conta das investidas ocidentais e de seus fantoches dos reinos, emirados e sultanatos árabes, temerosos de que a experiência socialista de Nasser no Egito irradiasse para os demais países do Oriente Médio).

Como o jornalismo não lhe proporcionara o suficiente para o sustento de uma família de onze pessoas (nove crianças e adolescentes), meu Pai lançara mão de suas últimas economias para tentar se estabelecer com um restaurante na segunda maior cidade libanesa, Trípoli (capital da província de Batroun), em sociedade com um primo que já fora seu sócio na fronteira da Bolívia com o Brasil (Guajará Mirim, Rondônia), Hussein Khalil Schabib. Entre as atividades comerciais e a agricultura (nas terras herdadas do Pai), tentou se recuperar financeiramente, mas decidiu por retornar para a América do Sul, pois o clima político no Líbano não lhe inspirava bons augúrios. Ele pressentira, pela insustentabilidade do cotidiano do cidadão comum libanês, a revolta das camadas populares contra as oligarquias libanesas, fato que eclodiu em 1974 com a trágica guerra civil que durou duas décadas, dizimou e empobreceu a população e destruiu a infraestrutura do país após a invasão de tropas israelenses e americanas, no início da década de 1980, provocando uma série de massacres nunca antes vistos no Líbano ou qualquer outra nação árabe, à exceção da Palestina e da Argélia em sua luta pela independência (depois, sim, vimos, em maior escala, a invasão do Iraque e da Líbia – e agora na Síria – pelos mesmos gendarmes e mercenários de Israel e Estados Unidos, em pleno século XXI). 

 

A ESCOLHA DE CORUMBÁ

Nos quase 25 anos que vivera na Bolívia, inúmeras vezes viajara de avião ou trem pela região do Pantanal, tendo ficado em Corumbá por breves estadas, sobretudo depois que fixara residência em Cochabamba. Rumo a São Paulo, de onde comprava muitos itens para abastecer seu comércio atacadista, havia se encantado com o desenvolvimento desta região, que, depois da inauguração da ferrovia Corumbá – Santa Cruz de la Sierra, passou a compará-la à região de Milão pelo tronco ferroviário e a importância desse transporte para a integração do continente. Por isso, quando se decidiu por retornar para a América do Sul, sua escolha recaiu sobre Corumbá, de modo que os três filhos mais velhos (que estavam por chegar à universidade) ficassem na casa da Vovó Guadalupe e os demais não tão distantes do país que o acolhera na juventude e, a despeito das adversidades, lhe ensinara muito. Ele era muito grato ao povo boliviano por tudo que lhe ocorreu na Vida. Obviamente, como todo imigrante, amava todos os países que o acolheram. E sua relação com o Brasil foi como o coroar de seus sonhos e lutas, até pelo fato de haver feito a escolha em plena maturidade. Assim, quando se estabeleceu com um modesto comércio de armarinhos, à rua Joaquim Murtinho, plena Feira Boliviana (a poucas quadras da estação ferroviária da Red Oriental da Bolívia, à época separada por uma centena de metros da ferroviária da Noroeste), semanas antes do golpe militar de 1964, iniciava uma nova fase em sua renhida existência de Peregrino incansável.

Seis meses mais tarde, início da primavera de 1964, meu Pai deu início a seu projeto de trabalho (e de Vida) no coração do Pantanal e da América do Sul (era assim como ele via Corumbá, centro do bioma e do subcontinente): abrir uma sorveteria (com a solidária assessoria de um Amigo libanês, Fauze Rachid, e sua esposa boliviana Pura Ceballos de Rachid, proprietários da popular Sorveteria Superbom, e que anos depois se mudaram para Puerto Suárez) e construir uma hospedaria (pousada) com menos de uma dezena de quartos, que em pouco mais de cinco anos se transformara em referência para comerciantes bolivianos e jovens turistas de todo o mundo por causa da higiene, segurança e atenção de seu proprietário poliglota e bem informado (como recomendavam os guias turísticos pioneiros que descobriram a rota dos Incas e os safáris fotográficos do Pantanal, sem qualquer incentivo das instâncias de governo federal, estadual e municipal de todos os países sul-americanos, que viam os mochileiros barbudos como suspeitos, quer fosse como “subversivos” ou como “maconheiros”), depois de ter conseguido comprar, com o pouco que lhe restava da venda de seus bens do Líbano, uma casa modesta de um simpático casal de idosos (o senhor Afonso, português, e dona Paulina, corumbaense, irmã de uma vizinha que logo ganhou status de vovó, a dona Ventura, muito cordial e sempre presente nos primeiros anos da chegada de toda a Família).

Foi com essa modesta pousada que, por quase trinta anos, assegurou o sustento digno de uma numerosa família de nove filhos, tendo como meta dar-lhes formação universitária. Quando um amigo bem próximo lhe propôs um empréstimo para ampliar as instalações da pousada, diante do movimento e do reconhecimento de seus serviços, ele revelou que não pretendia ser dono de rede de pousadas ou fazendas, mas pai realizado por ver todos os seus filhos a concluir os seus estudos, independentemente da profissão escolhida. Obviamente que a perda do filho mais velho (ocorrida em circunstâncias não elucidadas pela polícia em 1974, que me induziu a declarar, aos 15 anos, que fora por suicídio, fato questionado por seus colegas universitários e sobretudo por um investigador de uma seguradora que por coincidência se hospedara dois meses depois da tragédia), Mohamed (ou carinhosamente “Tchítchi”), o abatera profundamente: ainda que não abandonara as metas que traçara para sua Vida, com a maior dignidade e responsabilidade, não era difícil pegá-lo lacrimejando ao ler ou conversar com jovens que lembrassem o espírito arrojado do saudoso filho.

A propósito dessa tragédia, houve quem propusesse que denunciássemos o governo do mais sanguinário, corrupto e mercenário dos ditadores bolivianos, Hugo Banzer Suárez, pela morte de nosso irmão, cuja memória foi criminosamente vilipendiada pela chefia da polícia local nos tempos nefastos da ditadura. Lembro-me como hoje que, acompanhado de dois queridos Amigos (Juvenal Ávila de Oliveira, então radialista, e João de Souza Alvarez, fotógrafo à época da tragédia), visitamos quase todas as redações de jornais locais que haviam estampado a manchete sensacionalista do tipo “estudante (sic) universitário se fuzila sem deixar carta” (coisa típica de crônica policial chapa-branca, espreme-sai-sangue) a fim de esclarecer os fatos e pedir que republicassem a matéria dando-nos o direito de mostrar o outro lado dessa notícia. Alguns, obviamente, nem se deram a esse trabalho. Mas o velho Diário de Corumbá, então dirigido pelo jornalista Carlos Paulo Pereira Júnior, corrigiu a notícia com o devido destaque. O Pai dele, fundador do jornal em 1969, jornalista Carlos Paulo Pereira, tinha uma relação de amizade com o meu Pai, que desde as primeiras edições colaborava com matérias de política internacional. Por conta desse gesto, a partir de então meu Pai passou a assinar também matérias de fundo espiritual, não doutrinário, em que homenageava de alguma forma meu saudoso Irmão. Talvez o artigo dele que mais tenha repercutido na década de 1970 tenha sido “De onde viemos, para onde vamos e por quê?”, o qual foi publicado em dois idiomas em diversos jornais do Brasil e da Bolívia.

 

A MILÃO SUL-AMERICANA

Ainda na década de 1970, por ocasião do bicentenário da fundação de Corumbá, publicou outro emblemático artigo, desta vez voltado para as perspectivas de desenvolvimento da região do Pantanal, quando explicou por que o turismo, ao lado do comércio, eram a vocação natural de Corumbá -- tendo então comparado a posição estratégica do coração do Pantanal a Milão, na Itália. Essa matéria foi levada por um turista para publicá-la num jornal espanhol e em outro italiano. Desde então, quando calhava de se hospedar algum jornalista em sua pousada, meu Pai fazia questão de entregar alguns artigos de sua autoria, autorizando-o a publicar como quisesse, ainda que sequer publicasse a autoria. Ele foi um defensor declarado de que as ideias não têm “dono”, e é um dever fazê-las circular, em benefício da humanidade.

Mas foi ao lado de outros dois imigrantes como ele -- William “Bill” Sefusatti, o ítalo-britânico dono dos barcos Califórnia, e Hermann Pettersen, alemão casado com Dona Maria, cuiabana, dono do Restaurante El Pacu, ambos localizados no Casario do Porto -- que anonimamente deu sua contribuição para a consolidação do turismo contemplativo no Pantanal entre os fins da década de 1970 e início da década de 1990, quando alguns guias de turismo pioneiros brasileiros também passaram a integrar a atividade, tais como Clóvis Brandão Carneiro, Rodrigues, Guilherme Carstens, Armando Duprat, Roberto Kassar, Joaquim, Catu, Gilberto, José Bobadilha, José Paraguaio, Johnny Índio, entre outros. De forma bem profissional, ao lado da pioneira La Barca Tours, da família Nader, o também pioneiro J. Carneiro e seu Expresso do Pantanal consolidaram de forma sustentável o turismo voltado para as famílias que vinham conhecer o bioma pantaneiro pelo majestoso Rio Paraguai.

No início da década de 1990, frustrado com a sucessão de equívocos cometidos pelos gestores do turismo em nível estadual e municipal, que em troca de favores eleitoreiros, permitiam que os chamados guias piratas prostituíssem a atividade em Corumbá, iniciou uma série de artigos sobre a importância do turismo e fazendo explícitas advertências às instâncias administrativas. Recebia telefonemas de cumprimentos “pela coragem”, mas as sugestões reiteradas para a organização da atividade na região jamais viu serem implementadas. Tanto assim, em maio de 1994 encerrou as atividades de sua modesta pousada, depois de trinta anos de trabalho ininterrupto, em protesto contra a pirataria que então tomava conta do turismo.

Para não se deprimir, fez sucessivas viagens com a minha Mãe -- ao México, onde moram um de meus irmãos, companheira e filhas; ao Líbano, onde deixou praticamente toda a Família, e à Bolívia, onde visitou a Família e amigos contemporâneos seus, ainda saudáveis -- e, quando se preparava para organizar sua “segunda lua-de-mel”, para comemorar suas bodas de ouro, faleceu subitamente, ao meio-dia de uma quinta-feira, 4 de julho de 1996, aos 82 anos incompletos.

Minha Mãe, dona Wadia, viveu mais treze anos, tendo resistido estoicamente a um câncer virulento que a silenciou sem lhe tirar o gosto pela Vida, em menos de seis meses. Internada num hospital de Campo Grande, ela deu seu último suspiro no início da manhã de uma segunda-feira, dia 15 de junho de 2009, aos 83 anos de idade. Eles tiveram nove filhos (seis mulheres e três homens) e um legado de trabalho e muita dignidade, um exemplo para todos nós que nos orgulhamos de sermos filhos seus.

Ahmad Schabib Hany

1º de outubro de 2014

domingo, 29 de setembro de 2024

NETANYAHU COMETE SUICÍDIO AO ASSASSINAR NASRALLAH

Netanyahu comete suicídio ao assassinar Nasrallah

O assassinato de Sayad Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, por ordem do Carniceiro de Gaza (e de Beirute), retira um líder e interlocutor leal e ético no intrincado cenário político do Mundo Árabe. Agora o ocidente entra num ‘buraco negro’ que inviabiliza sua própria presença na região.

No dia em que a eternização do maior estadista do Mundo Árabe, Gamal Abdel Nasser, fez 54 anos (em 28 de setembro de 1970), vem à tona o assassinato, pelos sionistas, de Sayad Hassan Nasrallah, líder do Eixo da Resistência ao extermínio palestino e à dominação do Oriente Médio e depois aos demais países árabes e aos países muçulmanos pelos sionistas e seus cúmplices na cobiça e rapinagem dos territórios e das riquezas da região.

Coincidência ou não -- afinal, quando Nasser saiu da cena política, o ente sionista era o motivo das reuniões coordenadas pelo líder árabe, pela repressão e morte de refugiados palestinos por tropas de Hussein da Jordânia, colaborador sionista e aliado incondicional do ocidente --, a eliminação de Nasrallah tem impacto similar no âmago da resistência e do apoio popular entre árabes, muçulmanos e demais povos oprimidos do Planeta.

Voltando na História, três anos após a morte de Nasser, na guerra chamada pelo ocidente de ‘Yom Kipur’, feriado judaico, em que o sucessor de Nasser, Anwar Sadat, planejou e quase venceu os sionistas em 7 outubro de 1973, mas, inexplicavelmente, deu ordem de cessar-fogo quando os exércitos do Egito, Síria e Iraque estavam nas imediações de Telavive e o contra-ataque dos generais de Golda Meir sequer havia sido esboçado. Mérito do sionista recém-sepultado Henry Kissinger, já secretário de Estado de Richard Nixon, que acordou com Sadat essa parada injustificada.

Não é novo esse modus operandi sionista, de eliminar inimigos que ameaçam seus nada éticos interesses. Em 1975, quando Sadat se revelou ‘quinta coluna’ para os árabes, o rei Faisal da Arábia Saudita, embora tivesse conflitos com seu antecessor, Nasser, tinha fama entre os árabes autênticos de ser patriota e rigorosamente islâmico, tanto que, dias depois do funeral do maior estadista árabe em meio milênio, prometeu ‘ir rezar na Mesquita Al-Aqsa’, em Jerusalém, dando a entender de que a Palestina seria retomada pelos árabes com a participação dele. Essa mudança de postura e, sobretudo, a declaração de retomar Jerusalém para os palestinos lhe custou a vida em um atentado em seu palácio envolvendo um sobrinho químico-dependente residente nos Estados Unidos.

Atribuem a Joe Biden, atual presidente estadunidense, que se não tivesse existido o Estado sionista ‘teriam que inventar um’ para atender seus nada honestos interesses. Desde que esse mostrengo foi criado como enclave do império maldito no coração do Mundo Árabe, muitas vidas foram sacrificadas, todas por meio de crimes hediondos: seja por massacres horríveis (Deir Yassin, Sabra e Chatila etc) ou por meio de ‘assassinatos preventivos’, como o que eliminou vários líderes palestinos (Abdel Kader Al-Husseini, líder palestino anterior à OLP, morto quando retornara às pressas de uma viagem a Damasco para obter armas à altura das usadas pelos sionistas, que haviam atacado a aldeia Al-Qastal, em abril de 1948, a quarenta dias da declaração de ‘independência’ do ente sionista, em maio do mesmo ano; Ghassan Khanafani, morto em Beirute em atentado terrorista do Mossad em julho de 1972; Khalil Al-Wazir, ou ‘Abu Jihad’, destacado dirigente militar palestino, morto em abril de 1988, em Túnis, Tunísia, em atentado do Mossad em sua própria casa etc).

Décadas depois, essa mesma tática é utilizada pelo sionista extremista que por onde passa exala enxofre, tanto que expressivo número de delegações presentes à Assembleia-Geral da ONU abandonou o plenário enquanto ele grunhia como suíno desesperado rumo ao abate. O Carniceiro de Gaza e de Beirute tem agido com desespero por razões pessoais desde antes do 7 de outubro de 2023: se ele para o genocídio vai preso por uma série de crimes cometidos, inclusive contra o Estado sionista. Criminoso como o inominável daqui e o agente laranja dos Estados Unidos, todos negacionistas e membros do nazissionismo.

Embora já tivesse sido advertido por assessores e aliados dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, ele faz questão de correr o risco de cometer suicídio político e pessoal: enquanto era vaiado no plenário da sede da ONU, deu ordem de matar o secretário-geral Hassan Nasrallah, do Hezbollah, numa operação ilegal e desumana, em região densamente povoada de Beirute. Jornalistas independentes, um dia depois, revelaram que não foram 15, mas 80 bombas de alto poder destrutivo, das mais modernas (e caras) produzidas pelos Estados Unidos, cuja esquadrilha de supersônicos de um de seus porta-aviões baseado no Mar Mediterrâneo permaneceu por duas horas na costa mediterrânea de Beirute, como a dar cobertura e abortar possíveis operações de defesa do Eixo da Resistência.

Não satisfeitos, os sionistas invadiram o sistema de comunicação da torre de controle aéreo do Aeroporto Internacional Rafiq Hariri, em Beirute, para impedir a aterrissagem de um avião de passageiros iraniano, sob pena de explodir a aeronave ou bombardear o aeroporto. No dia seguinte ao assassinato do líder do Hezbollah e de seus principais assessores militares no bunker em que estavam, sob a sede do quartel-general da organização de resistência, os sionistas deram continuidade aos bombardeios em diversas regiões do Líbano, da Síria e do Iraque, numa demonstração de que controlam boa parte do território do Eixo da Resistência e já enviaram mensagem com ameaças explícitas ao governo do Irã, proibindo o abastecimento de armas e combustíveis à Resistência árabe.

As armas usadas pelos sionistas são, em sua maioria, fabricadas nos Estados Unidos e Reino Unido, que não deixam de abastecer o ente sionista a despeito das restrições estabelecidas pelo organismo multilateral por meio de resoluções aprovadas há pouco tempo. A proteção acintosa ao governo sionista, inclusive no Conselho de Segurança da ONU, também vem desses países, aliás, desde os tempos em que a ONU, sem consultar o povo palestino, os maiores interessados, criou o Estado sionista. Ante tamanha impunidade, esse monstrengo sionista pode ameaçar e violar convenções e resoluções internacionais, mas o Irã e demais aliados do Eixo da Resistência jamais poderão se manifestar. Só que não.

Desde a sua criação, fruto da mentira deslavada e da falta de lealdade dos colonizadores, hoje impostores de democráticos, o Estado sionista manipula informações e controla a bel prazer o fluxo de informações, como se detivesse uma força superior. A bem da verdade, eles têm, sim, o poder financeiro -- tanto que foi o lorde Rothschild V, banqueiro judeu bilionário, que ‘comprou’ a Palestina de ‘sua majestade’ a Rainha Vitória, em 1917, como a ‘Declaração Balfour’ constata: o então chanceler britânico se comprometia a entregar a Palestina aos sionistas em troca de um empréstimo para que o Reino Unido continuasse os combates na Primeira Guerra Mundial, a despeito do compromisso da rainha Vitória aos líderes árabes, que em troca do compromisso de conferir a independência de toda a Arábia os ‘múftis’ árabes se comprometiam a lutar com os britânicos e contra os turco-otomanos.

São mais de 1.300 mortos (incluindo bebês, crianças, adolescentes, jovens, mulheres e idosos), um número desconhecido de desaparecidos nos escombros e 15 mil feridos em menos de duas semanas de ataques, inicialmente por meio de atentados terroristas (com os dispositivos eletrônicos ‘envenenados’) e depois por uma intensa operação militar aérea -- desproporcional e criminosa -- dentro do perímetro urbano da capital do Líbano, região, aliás, com a maior densidade demográfica depois de Gaza, destruída totalmente. E o que disseram os hipócritas e cínicos ‘líderes’ ocidentais? Simplesmente justificaram a obsessão assassina desse maldito ser cujos cúmplices haverão de ser igualmente condenados, pelo menos pela história, como Herodes, Pilatos, Anás e Caifás.

Perda de um interlocutor leal

A súbita saída de cena de Nasrallah, além de duro golpe para o Eixo da Resistência à dominação sionista-colonial e para os milhões de admiradores pelo mundo afora -- inclusive no ocidente e até no ente sionista, pela racionalidade, lealdade e ética na relação com aliados, adversários e inimigos --, representa a perda de um interlocutor que não fazia bravatas e que honrava eticamente compromissos celebrados até, mediante acordos internacionais, com seus inimigos.

Ele era o oposto da falta de caráter e tibieza ética de Netanyahu, seu assassino, com a cumplicidade dos governos dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, além de títeres como os inomináveis daqui e da Argentina. Ao contrário dos ‘democratas’ de meia pataca deste ocidente nauseabundo, durante o genocídio em curso ele deteve seus aliados e outros parceiros do Mundo Árabe desejosos de uma contraofensiva direta ao ente sionista e seus aliados no ocidente. Ele era praticante da paciência estratégica.

Nesse sentido, a eliminação desse líder bastante racional, inteligente e, sobretudo, ético até as últimas consequências -- a poucos metros de onde estava quando foi ferido de morte ele tinha à disposição, segundo fontes do renomado analista internacional Alfredo Khalife, mísseis iranianos de última geração que poderiam ter atingido Telavive mas não quis matar inocentes --, é uma vitória de Pirro para o odiento Carniceiro de Gaza e de Beirute: mais que uma derrota política, pode representar a sua eliminação física a qualquer tempo, afinal, a escolha foi dele.

Abomináveis seres que, sem qualquer comiseração e senso de humanidade, proclamam-se paladinos da democracia e detentores das conquistas da civilização -- quando, a bem da verdade, foram os árabes, hoje tratados como ‘terroristas’ e ‘atrasados’, ofertaram todo o legado da Antiguidade Clássica em bandeja de ouro aos europeus para que saíssem do obscurantismo medieval e assim chegassem à Renascença, bastante tardia se comparada à da Península Ibérica, sobretudo Espanha e sul de Portugal --, é bom que saibam que enquanto houver um árabe e um socialista na face da Terra seus dias estarão contados.

Ahmad Schabib Hany

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

UM ANO DE GENOCÍDIO

Um ano de genocídio

Dia 7 de outubro completa-se o primeiro ano de genocídio com cobertura em tempo real da população de Gaza, que se estendeu à Cisjordânia e a Jerusalém, capital milenar da Palestina. Certos da impunidade, os sionistas agora concentram seus odientos esforços contra a população libanesa e já ameaçam a Síria e o Irã como próximos alvos de seu desvario hegemônico-colonial.

Um ano atrás, em 7 de outubro de 2023, o mundo se deparou com mais um cenário de horrores, atribuído de imediato à resistência palestina, precisamente aos combatentes do Hamas e de seus aliados de outras organizações legítimas, chamadas pelo establishment ocidental (leia-se sionista) de ‘terroristas’. Árabes, dentro e fora dos territórios tomados pelos sionistas desde 1947, comemoravam a retaliação do Hamas, que havia burlado toda a parafernália tecnológica conhecida como ‘Domo de Ferro’, até então tida como invicta.

Mantida em absoluto sigilo, a operação ‘Tempestade Al-Aqsa’ consistiu em transpor as muralhas e todo o aparato tecnológico de última geração de um dos maiores e mais corruptos exércitos do planeta, numa afronta à propaganda sionista, de que seria intransponível e inviolável o território usurpado pelos sionistas, a maior parte à revelia da própria ONU que criou esse mostrengo em 1947 e lhe deu reconhecimento como Estado em 1948, mesmo sem ter sido criado o Estado remanescente da Palestina. As ‘armas’ usadas pelos combatentes foram parapente comum, que levou dezenas de guerrilheiros para o ‘outro lado’ das muralhas e, no interior do território contíguo ao de Gaza, fazer o maior número de reféns nas unidades militares instaladas na região, pois eles estavam em um feriado judaico, o ‘Yom Kipur’.

No entanto, as forças sionistas de dentro e fora do território palestino usurpado desde 1947 criaram um cenário de horrores para desviar o foco do vexame histórico sofrido para um grupo de combatentes corajosos mas precariamente armados. Assim, partiram para uma operação desesperada de assassinar com requintes de crueldade seus cidadãos para atribuir a autoria aos guerrilheiros, fato denunciado por autênticos Jornalistas em diversos meios independentes em todo o mundo. O desmentido fez os aliados dos sionistas balançar em seu apoio incondicional ao ente sionista, e tomar mais cuidado com o atual dirigente, um inominável ultradireitista que exala enxofre por onde vai.

Como em 2001, no terrível atentado às Torres Gêmeas, usaram todas as mídias de que dispõem para atribuir à Resistência Palestina o verdadeiro terror praticado contra seus próprios nacionais. E não é primeira vez que essa tática é utilizada pelas chamadas Forças de Defesa [quando na verdade são forças de terrorismo e agressão qualificada, com DNA nazifascista] do Estado sionista: em 2000/2005, durante a invasão ao Líbano, quando as forças da Resistência Libanesa Hezbollah repeliram exemplarmente as forças sionistas, imagens de horror com as mesmas características circularam pelo mundo afora a fim de impingir aos combatentes libaneses essa prática terrorista.

Orquestrados, os líderes políticos do ocidente, uníssona e levianamente, se apressaram a sancionar palestinos, libaneses, sírios, iranianos e iemenitas (os hutis, isto é, militantes do Ansar Allah, seguidores de Hussein Badreddin Al-Houthi, morto pelo exército do Iêmen em 2004). Desde outubro de 2023, ser árabe ou ser solidário à legítima luta do heroico Povo Palestino é objeto de retaliação e de campanhas difamatórias. Até profissionais de longa trajetória, como o Jornalista José Arbex e o Jornalista Breno Altman (de ascendência judaica), já se viram às voltas com acusações de ‘antissemitismo’ e similares, por pura retaliação, para intimidá-los.

Desqualificar profissionais sérios e comprometidos com a ética jornalística é a mais reles das táticas do nazifascismo desde os tempos de seus ídolos inomináveis nos conturbados anos que antecederam a eclosão da Segunda Guerra Mundial, no chamado período entre guerras, de 1918 a 1939. Eles aprimoraram o modus operandi, mas o propósito funesto é o mesmo, de modo a criminalizar, a anular, a dar morte civil a quem ousa atrapalhar seus nada honestos interesses. Durante as ditaduras militares fascistoides da segunda metade do século XX essas mesmas estratagemas foram reeditados sordidamente e não só a dignidade de pessoas de reputação ilibada como a sua própria vida foram ceifadas vil e cinicamente.

Em nome de uma cínica e sórdida ‘defesa’, com contornos inegáveis de guerra de terra arrasada, nos moldes da praticada pelos generais de Hitler e Mussolini antes e durante a Segunda Guerra Mundial, o carniceiro da Palestina (porque Gaza, Cisjordânia e Jerusalém são hoje e serão sempre a Palestina milenar) já matou mais de 137 mil de seres humanos indefesos e inofensivos -- bebês, crianças, adolescentes, mulheres, idosos e mutilados --, além de mais de dez mil desaparecidos, de ter mutilado e ferido sem qualquer lampejo de compaixão dezenas de milhares de palestino e destruído hospitais, escolas, centros de refugiados, mesquitas e igrejas, ambulâncias, depósitos de material de primeiros socorros e sem poupar a infraestrutura urbana (reservatórios de água potável, usinas termelétricas a diesel, redes de telecomunicação e internet, mais urgentes em momentos álgidos como o genocídio).

Em franca decadência, os países autoproclamados ‘democráticos’ -- neocoloniais, na verdade, eis que para estancar sua decadência explícita vivem a cobiçar as reservas de recursos minerais e genéticos de países do Hemisfério Sul --, sem qualquer discrição, comedimento ou comiseração, mostraram sua mais nefasta face e hipotecaram total apoio ao genocídio cometido mais uma vez contra o povo palestino, desta vez na Faixa de Gaza (41km de largura e 10km de comprimento), onde dois milhões e duzentos mil habitantes vivem em uma área equivalente a um quarto da cidade de São Paulo.

O apoio acintoso do governo dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia estimulou o governo sionista a expandir suas agressões ao território do Líbano nas últimas semanas. Iniciadas com explosões simultâneas de dispositivos eletrônicos ‘envenenados’ do tipo ‘pagers’ e ‘walkie-talkies’, nos dias 17 e 18 de setembro, incursões de aviões militares com mísseis aterrorizaram a população civil em bairros residenciais de Beirute e outras cidades do Líbano. A utilização de dispositivos eletrônicos, usados pela população em larga escala, como armas de guerra viola a Convenção de Genebra, uma das mais elementares para demarcar os limites das ações militares em conflagrações bélicas.

Além das 30 vítimas fatais e mais de quatro mil feridos na primeira semana, por causa das explosões de dispositivos eletrônicos e incursões aéreas em regiões densamente povoadas, informações do Ministério da Saúde do Líbano dão conta de que até metade da semana derradeira de setembro são quase seiscentos mortos (mais de 50 crianças e quase 100 mulheres), pelo menos dois brasileiros adolescentes, e mais de dois mil feridos, muitos em estado grave e com a intensificação dos ataques aéreos ficou impraticável o traslado de feridos com maior gravidade a centros médicos mais completos.

O gabinete ministerial do Carniceiro de Gaza -- ou melhor, Carniceiro da Palestina -- já deixou patente sua decisão de dar continuidade ao projeto de colonização total da Arábia a começar pela região próxima ao território usurpado da Palestina em 1987: Líbano, Síria [Iraque está colonizado pelo ocidente desde 2005], Iêmen e, quando for possível, o Irã [tido como a joia da coroa pelos sionistas, sobretudo depois do triunfo da Revolução Islâmica em 1978], que, aliás, nunca esconderam seus nada generosos propósitos ao se estabelecerem à força na Palestina milenar, desde fins da década de 1890.

No momento em que faço este texto, a incansável Jornalista (e jovem promessa) Nathalia Urban, do Portal de Notícias 247, se eterniza depois de tentar resistir ao politraumatismo que a acometera ao sofrer uma queda nas imediações de Edimburgo, capital da Escócia. Sua trágica partida ocorre no momento em que iniciava nova fase em sua Vida, com planos para a maternidade e com intensa felicidade. Perda irreparável não só para o Jornalismo autêntico, mas para a resistência ao fascismo, para a Causa Palestina, para a Unidade Latino-americana e, sobretudo, para a humanidade, tamanha a qualidade humana dessa profissional que se tornou membro de todas as famílias dos que se informavam por meio de seu marcante modo de analisar e interpretar a complexa realidade.

E na véspera do primeiro ano desta que é a maior tragédia da Nakba para a população da Palestina em diáspora desde 1948, dentro e fora dos territórios milenares, o transcurso de mais um aniversário de nascimento, o primeiro desde sua eternização em 22 de outubro de 2023, do querido e saudoso Amigo Jadallah Safa. Com ele, na década de 1980, fizemos importantes atos que entraram para a história de Corumbá como da Resistência Palestina: ciclo de debates em escolas públicas e privadas sobre o chamado Mundo Árabe e Palestina; I Mostra da Cultura Árabe-Palestina, Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, importante parceria entre a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, por meio da Biblioteca Pública Estadual Dr. Gabriel Vandoni de Barros, gerida pela Professora Elenir Machado de Mello (querida Lena), que levou mais de dois meses para ser organizada e outros três de visitação, entre julho e setembro de 1987; e a criação do Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino Jadallah Suleiman Safa [homenagem à sua memória], em 27 de novembro de 1987, no auditório do Centro Universitário de Corumbá, com a participação do saudoso Doutor Roberto Moaccar Orro, Secretário de Estado de Justiça; da saudosa Jornalista Margarida Gomes Marques, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul; da Jornalista Maria Helena Brancher, do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (GAIN-MS); do Professor Valmir Batista Corrêa, representando a Diretora Gisela Levatti Alexandre; o Doutor Lécio Gomes de Souza, o Poeta Rubens de Castro e a Professora Elenir Machado de Mello, pela Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, além dos Companheiros Maurício Lopo Vieira e Manoel do Carmo Vitório, da Unidade Regional do Trabalho. Camarada Jadallah, sempre presente!

Ahmad Schabib Hany

NATHALIA URBAN (1987-2024): INTELIGENTE, JOVEM E LUTADORA DOS POVOS POBRES

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

UFPantanal: mais que sonho, necessidade premente

UFPantanal: mais que sonho, necessidade premente

Adesão da sociedade civil e científica vem crescendo a passos largos, enquanto hesitação, em vez de entusiasmo, divide docentes e discentes do CPAN/UFMS.

Eis que titubeio, hesitação, é o que tem demarcado os espaços imaginários entre alunos/as e docentes-pesquisadores/as do CPAN/UFMS, mas fico lisonjeado ao ver que há expressivo número de professoras e professores entusiastas, mais engajados. Por quê? Elas e eles, docentes, sabem -- porque conhecem -- a importância desta região, independentemente da área de estudo a que se dedicam, para a soberania tecnocientífica brasileira e para o desenvolvimento estratégico regional, nacional e continental. Mais: a instalação de um centro de pesquisas de referência é bom para a população regional e de interesse geopolítico em tempos de afirmação do protagonismo do Brasil, seja como potência regional ou como membro do concerto das nações como agente da paz, do desenvolvimento soberano e do combate à fome.

Porque é alvissareiro o novo paradigma de universidade, inclusiva e inovadora, liberta do burocratismo imposto pelo famigerado Acordo MEC-USAID, de 1968, que vem atravancando o desenvolvimento tecnocientífico há diversas décadas -- na verdade, desde o início da redemocratização do Brasil, em 1985, pois, à exceção dos governos dos presidentes Lula e Dilma, nenhum ministro da Educação pós-Nova República teve sucesso nas diferentes tentativas de resgatar o papel de vanguarda na pesquisa pelas universidades tradicionais --, uma das razões da letargia e do individualismo reinantes na academia brasileira. Até porque a adoção de ranking na produção e no desempenho acadêmicos leva a um perigoso ‘pragmatismo’ que se reflete em quase todas as universidades brasileiras.

Não há exagero ao afirmar que as pesquisas pioneiras em diversas áreas do conhecimento não só em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul começaram com pesquisadores instalados no então Centro Pedagógico de Corumbá (da Universidade Estadual de Mato Grosso) e depois no Centro Universitário de Corumbá (da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Há duas semanas, resgatamos o pioneirismo dos docentes pesquisadores Cláudio de Almeida Conceição, Wilson Uieda e Masao Uetanabaro. Todos eles das ciências biológicas. Agora iremos citar o pioneirismo na História, com os docentes pesquisadores Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, desde início da década de 1970.

Casal que veio bem jovem a Corumbá, ambos dedicados à História, não só estruturaram o curso de licenciatura, mas sistematizaram a História Regional e, sobretudo, iniciaram um importante processo de pesquisa ousado e metódico em todo o sul de Mato Grosso. Tive a honra e o prazer de conhecer o Professor Valmir Corrêa em 1975, quando eu ainda estava no segundo ano do ensino médio, no antigo Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho, e o saudoso Professor Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, titular de Língua Portuguesa e de Literatura, nos orientou para que fizéssemos uma enquete com os alunos da escola sobre a divisão de Mato Grosso, ainda em cogitação. Por recomendação dele, fomos até o CPC/UEMT para saber fazer a enquete e a pessoa indicada era o Professor Valmir Corrêa.

Em 1978, quando iniciei o curso de licenciatura em Letras, no período vespertino, tive um contato maior com ele: o Centro de Estudos Históricos Ricardo Franco, embora restrito ao alunado de História, me cativava muito, tendo participado de algumas de suas atividades. Mesmo deslumbrado com o nível do ensino no CPC, eu já estava com planos de, ao final daquele ano, antes da instalação do governo de Mato Grosso do Sul, ir trabalhar em algum jornal, mesmo porque o Amigo Edson Moraes, referência de nossa geração, trabalhava no Tribuna, do Jornalista e Deputado Sérgio Cruz. Antes de me mudar para Campo Grande, doei ao Professor Valmir uma hemeroteca modesta, com jornais de Corumbá, Ladário, Cuiabá, Campo Grande, São Paulo, Rio de Janeiro, La Paz, Cochabamba, Trinidad, Santa Cruz de la Sierra, Assunção, Buenos Aires, Madri, Cairo e Beirute, em português, espanhol, inglês e francês.

A revista acadêmica Dimensão, editada por uma equipe de docentes do CPC, traz síntese das primeiras pesquisas dos Professores Valmir e Lúcia, além de outros pesquisadores, obviamente, em que consta de catalogação de jornais corumbaenses do final do século XIX e início do século XX, bem como a descrição do movimento do entreposto comercial de importância continental. Com a participação do Professor Gilberto Luiz Alves, do curso de Pedagogia e igualmente pioneiro em História da Educação, Valmir e Lúcia realizaram a justificativa para o tombamento do Casario do Porto em 1986, uma luta iniciada em 1978 por causa da demolição de três prédios históricos do centro de Corumbá: Cine Santa Cruz (onde hoje está a agência local do Bradesco), Intendência Municipal (onde estava situada a sede do Café Néctar) e a Rádio Difusora Mato-grossense S/A (em frente à agência local do Banco do Brasil).

A artista plástica Marlene Terezinha Mourão, a querida Peninha, convidada pela Irmã Sofia para trabalhar como professora no saudoso Ginásio e Escola Normal Imaculada Conceição (GENIC), trocou Coxim e Campo Grande por Corumbá e deu uma guinada em sua Vida. Em tom bastante descontraído, Peninha conta que, anos depois, foi convidada pelo Doutor Salomão Baruki para dar aula no Instituto Superior de Pedagogia, no prédio do então Grupo Escolar Luiz de Albuquerque (mais tarde, transformado no ILA, no governo derradeiro de Mato Grosso uno, em que o corumbaense Cássio Leite de Barros era governador e Salomão Baruki deixara a vice-reitoria para ser secretário de estado de Educação e Cultura).

Professora de Introdução à Metodologia Científica até 1974, a criadora de Maria Dadô foi colega dos professores Gilberto, Valmir, Lúcia e Masao, com quem tinha uma relação bem descontraída (em 1977, todos eles estavam nas diferentes edições da Grifo, revista mato-grossense editada em Campo Grande pela Edimat. Mesmo sem saber, Peninha era uma seguidora do método de Paulo Freire com a sua pedagogia libertária e descomplicada, em um tempo de censura e muita tortura. Ela justificava não ler jornais, porque havia muita mentira, não mostravam a verdade, porque a censura prévia não deixava que saísse nada que não fosse do interesse dos governantes. Foi assim que vim saber que meu Irmão Mohamed, eternizado 50 anos atrás, fora seu aluno e, curiosamente, ela ainda se lembrava dele, de seu jeito irreverente -- provocador, até -- para a época.

Amiga da Professora Lígia, Filha do Professor Salomão Baruki, Peninha retorna para o CPC, desta vez como técnica do ‘Seção de Multimeios’ (hoje, multimídia), depois de ter sido secretária do vice-reitor da UEMT, Doutor Salomão, que assinara a sua carteira de trabalho numa das substituições ao Professor João Pereira da Rosa, primeiro reitor da UEMT e, com a federalização, de sua sucedânea, UFMS. Para ela, não se trata apenas da assinatura do empregador, senão de autógrafo de um homem público muito querido, com quem conviveu apesar da diferença de pontos de vista, tanto que até hoje mantém uma Amizade fraternal com a Professora Lígia Baruki e Melo, sua correligionária e confidente.

Mar, Marlene Mourão ou simplesmente Peninha é prima do igualmente talentoso poeta e compositor coxinense Zacarias Mourão, o célebre autor de “Pé de Cedro” eternizado há algumas décadas com pouca idade. Humilde, não gosta dessas associações a celebridades, pois ama o anonimato. Mas a autora de “Pacu era um peixe feliz que nadava nas águas do Rio Paraguai” foi prefaciado pelo Poeta Manoel de Barros sem tê-lo pedido: ele ficara encantado com o conto-poema que ela enviara por correio em 1987, mas que só publicou em 2002, graças ao Fundo de Investimento Cultural criado no governo do correligionário José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT.

Além de docente universitária e técnica de ‘multimeios’, a querida e talentosa Peninha é artista plástica, caricaturista, cartunista, poeta, escritora, ativista cultural e Mãe-Avó de Luiz Eduardo, Felipe, Leonardo e Helô, a Netinha. Ama o óleo, a aquarela e, sobretudo, o bico de pena. Não por acaso, suas ilustrações são presença obrigatória em livros do ex-colega Gilberto, em edições da década de 1980 e em sua coleção para a Associação dos Bibliófilos do Instituto Cultural Gilberto Luiz Alves (ICGLA), em 2023, inaugurada com “Pantanal da Nhecolândia: pecuária e modernização tecnológica”, Volume 1 da coleção. Há poucos dias, o ICGLA promoveu o lançamento do Volume 2, coautoria de Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, “A produção de charque e de tanino no sul de Mato Grosso: cenários e dilemas”, coedição do ICGLA com a Editora Maria Petrona, de Londrina.

As universidades são feitas por humanos e para humanos. Uma sociedade que se pretende moderna e desenvolvida não pode abrir mão de criar uma universidade inovadora, ousada e inclusiva. O progresso não vem por acaso: é fruto do esforço realizado por seres humanos esclarecidos e libertos. Assim, em plena fronteira, o coração do Pantanal e da América do Sul, do Sol e do Sal -- como solenemente agasalhou o legítimo Festival da América do Sul a partir de 2004 -- manterá o cosmopolitismo / vanguardismo com que marcou na história, na memória e, sobretudo, na Vida. UFPantanal não é sonho, é necessidade urgente.

Ahmad Schabib Hany